MASSACRES, DUAS INCOERÊNCIAS, E TUDO POR VOCÊ !

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Essas palavras são escritas debaixo de tristeza e angústia, após me informar, de maneira mais detida, acerca do massacre das quatro crianças em Santa Catarina.

Ingressamos, não agora, porém, com maior recorrência nesta quadra, numa espiral de repetição de um comportamento sociopata, muitas vezes importado de matrizes estrangeiras e negligentemente estimulado por veículos de comunicação e pela indústria cinematográfica.

Isso não é mais ignorado por ninguém, merecendo menção a comunicação, ao vivo, e em rede nacional, de uma das maiores empresas de telecomunicações do país, da adoção de uma nova postura de veiculação de fatos análogos ao massacre, justamente para evitar, ainda que tardiamente, a profusão do “efeito contágio”.

Vale lembrar que menos de dez dias antes, quando um jovem de 13 anos esfaqueou cinco pessoas numa escola, levando a óbito uma professora, todos os veículos de comunicação, com a mesma voracidade midiática de sempre, mostraram detalhes absolutamente desnecessários, sempre em horário nobre, em meio às milionárias campanhas de marketing para bancos, as irresistíveis promoções dos supermercados e o anúncio dos próximos e imperdíveis capítulos das novelas.

Esse comportamento está na base das ações de marketing, algo como os 4Ps tão decantados, sempre com o objetivo de atrair e reter o olhar do consumidor. Para tanto, nada pode ser mais atrativo do interesse humano do que o CRIME.

Numa linguagem midiática, valendo-nos metaforicamente de um poderoso produto de marketing, poderíamos dizer que crime é tech, crime é pop, crime é TUDO para atrair a audiência em horário nobre.

Essa é a primeira incoerência histórica que naturalizamos, ano após ano, com a tranquilidade de quem sempre assistiu, impassível, aos informes de massacres de crianças, sobretudo na hora do jantar, invariavelmente entre uma campanha da “semana da beleza”, ou a promoção do leve três, e pague dois, da cerveja, mas sempre amenizados por outras ações do tipo “cute cute”, especialmente utilizando crianças lindas (e brancas falando de RESPEITO), com vozes angelicais, para venderem produtos de empresas que cobram juros absolutamente infernais.

A propaganda é uma prática muito antiga, e o marketing voraz não conhece limites para a exploração e captura da atenção da audiência, dito de outra forma, o diabo é sábio, não porque é mal, mas porque é velho.

A segunda incoerência sobre tudo isso, reside em um outro “efeito manada”, que povoa o inconsciente coletivo, após cada fato dessa natureza. E novamente, os veículos de mídia têm invulgar importância e influência.

Refiro-me à desvirtuada tentativa de levantar a hipótese de solução, ou redução dessas barbáries, a partir do emprego do direito penal e do recrudescimento de penas.

Meio envergonhado, valho-me de um exemplo rápido, porém ilustrativo, neste primeiro momento.

A Lei 6.368/76 foi revogada pela Lei 11.343/2006, ambas sancionadas com o objetivo de prevenção e punição ao uso e tráfico de drogas. Refiro-me ao crime de maior incidência no sistema de justiça criminal (tráfico), que mesmo com as alterações nos tipos penais, a significativa majoração dos marcos temporais nos preceitos secundários, ainda assim, de 2006 até o presente momento, ninguém viu qualquer redução dos números daquele delito, muito pelo contrário, a traficância está fora de controle no país.

Ainda que se aumente a pena de qualquer delito para mil anos, ou para prisão perpétua, isso jamais será fator de redução ou inibição da prática delitiva, e aos importadores de modelos estadunidenses, basta observar as leis daquele país e o seu contingente carcerário, o maior do planeta.

Sem necessidade de esgarçar o debate, direito penal não é instrumento de combate à criminalidade.

Assim, ressinto-me da observância da repetição de discursos e padrões, sempre que ocorrem barbáries como essa, com incontáveis cidadãos imersos na ignorância (sem pejorativo), da análise histórica da dogmática penal, clamando por mais leis penais, aumento de penas, como se a Lei Daniela Perez, por exemplo, tivesse reduzido, ainda que minimamente, a incidência de feminicídios neste país (apenas um exemplo aleatório).

Há que se aprofundar as causas criminológicas, os efeitos do descaso social e governamental com a metodologia e os fundamentos da educação infantil, a necessária revisão dos aspectos e pilares da construção dos currículos e grades de ensino, a urgente introdução dos direitos humanos desde a base e, sobretudo, a construção de canais públicos de aproximação e humanização dos jovens que, cada vez mais, isolam-se em ambientes virtuais, vítimas da massificação de campanhas de ódio e a naturalização do uso de armas, fatores especialmente ocorridos no Brasil nos últimos quatro anos.

James Walker Júnior
Advogado criminalista, professor, mestre e doutorando em ciências jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa, Conselheiro e Vice-diretor na OAB-RJ, membro efetivo do IAB e presidente nacional da ANACRIM – Associação Nacional da Advocacia Criminal.

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